Teoria Austríaca do Capital

Por: Marcel Pereira Bernardo

Entre os entusiastas da Escola Austríaca de Economia, vejo muitos comentando sobre Rothbard, de Soto, Hoppe e claro, Mises e Hayek. Para mim isso não é problema. O problema é ignorar quase completamente – como muitos fazem – a figura de Eugen von Böhm-Bawerk.


Böhm-Bawerk deu uma contribuição ímpar à ciência econômica. Ele criou a Teoria Austríaca do Capital, elucidou definitivamente qual a real causa do Juro, refutou a mais-valia e de quebra ainda forneceu a base para a criação da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.

Sua principal obra é a Teoria Positiva do Capital e aqui você encontrará um apanhado geral sobre os principais tópicos. A edição utilizada para este texto é da editora Nova Cultura, série Os Economistas, ano 1986.

O que é capital?

“(…) capital outra coisa não é senão o conjunto dos produtos intermediários que surgem nas diversas etapas indiretas que perfazem a via de surgimento indireta.” (página 38 )

O que seriam essas “diversas etapas indiretas”?

Imagine que você faça suas próprias roupas à mão. Você usa a força de trabalho para a produção das roupas. Eis a via direta: trabalho executado para fazer roupa. Agora imagine que, a fim de ter maior produção, ao invés de você fazer roupas à mão, você constrói uma máquina de costura e com essa máquina faz suas roupas.

Aqui é a via indireta: trabalho executado para construir a máquina para, com essa máquina, fazer a roupa. O fato de criar a máquina é um meio para que você atinja o fim desejado. Então a máquina seria esse produto intermediário, sua criação ( desde matéria-prima até juntar peça por peça ) são as diversas etapas indiretas e utilização dela seria a via indireta.

Como o capital é formado?

“Em Economia Política circulam três teses diferentes sobre a formação do capital. Para uma delas, o capital provém da poupança, para uma segunda, da produção, para uma terceira, dos dois elementos em conjunto. Destas três, a mais difundida é a terceira. Ela é também a correta.” ( página 129 )

Aqui cabe uma observação pois já me deparei com interpretações equivocadas, sendo uma delas a de que Böhm-Bawerk considerava a poupança – e tão somente ela – cria o capital. Claramente o autor austríaco nunca disse isso. Para ele, o capital é formado por poupança + produção.

Também já ouvi pessoas dizendo que Böhm-Bawerk pretendia fazer uma defesa moral dos capitalistas, como se fossem todos disciplinados e comedidos. E quem não poupa é um tolo e perdulário. Nada mais falso que tal acusação. Diz o Böhm-Bawerk: “Talvez seja útil para a solução dessa controvérsia observar que de modo algum se tem necessariamente associar ao conceito de poupar a ideia de uma renúncia que custa sacrifício, sendo moralmente meritória.”

E prossegue:”(…) quem possui uma renda anual de 1 milhão de florins e se contenta em consumir apenas 1/2 milhão, transformando em capital o outro 1/2 milhão, de forma alguma precisa ser um herói da renúncia.” (página 130)

Então não, ele não queria defender ou justificar o capitalismo sob o prisma moral. Böhm-Bawerk estava concentrado em avaliar o sistema tal qual ele é, sendo imparcial e lúcido em suas colocações.

De onde vem o juro do capital?

“Bens presentes sempre têm mais valor do que bens futuros da mesma espécie e quantidade. Esse princípio é o ponto essencial e central da teoria do juro.” (página 269).

Com essa deixa, o leitor mais sagaz já percebe que a lógica por trás da remuneração do capital não vem da exploração, mas da influência das forças temporais sobre os agentes econômicos. Como o autor diz: “um ganho de capital (…) que alguns denominam “juro de capital”, ou “profit” (lucro), e outros chamam de “mais-valia” (Mehrwert ).” Então o que Marx chamava de mais-valia, Böhm-Bawerk chamava de juro. Entender isso facilita muito na hora de comparar o pensamento de cada um deles.

E como se define a taxa de juros?

Basicamente da mesma forma como são definidos os preços. Ele avalia a formação de preço na troca isolada e depois em caso de concorrência. No primeiro caso, é dito: “Na troca isolada entre dois interessados em trocar, o preço acaba fixando-se dentro de uma margem de negociação, cujo limite superior é constituído pelo valor subjetivo que o comprador atribui à mercadoria, e cujo limite inferior é constituído pelo valor que a esta atribui o vendedor.” (página 229 )

No segundo caso, afirma:”No caso de a concorrência existir apenas entre os interessados na compra, o adquirente será o concorrente que tiver maior capacidade de troca, isto é, aquele que atribui valor mais alto à mercadoria, em comparação com o bem a ser pago como preço; e o preço variará entre o valor atribuído pelo adquirente, como limite superior, e o valor atribuído pelo concorrente que dentre os excluídos tiver maior capacidade de troca, como limite inferior – salvaguardando o segundo limite inferior subsidiário, que é sempre constituído pela avaliação dada pelo próprio vendedor.” (página 230 )

A teoria de Böhm-Bawerk se resumia a “robinsonadas”?

Robinsonadas é um termo para se referir a Robinson Crusoé. A crítica é frequentemente apresentada contra os adeptos de um método de análise conhecido por individualismo metodológico. Tal método de investigação toma como premissa o indivíduo em cenário isolado.

É verdade que o autor deu exemplos sobre Robinson Crusoé para abordar o fenômeno do capital, mas o fez para fins meramente didáticos. É dito em sua obra: “A história do Robinson e descrições do estado primitivo são coisa muito boa para destacar com clareza os aspectos típicos mais simples, digamos, o esqueleto dos processos econômicos.”

O mesmo prossegue:”(…) mas é claro que elas não são suficientes para nos dar uma ideia adequada (…) precisamos, portanto, fazer uma mudança de cenário: da praia solitária do nosso Robinson para o mecanismo de da economia de uma grande nação com muitos milhões de habitantes.” (página 132)

Nesse momento, Böhm-Bawerk utiliza sua teoria para explicar o desenvolvimento do capital numa sociedade com 10.000.000 de pessoas. Ele o faz para demonstrar que a formação do capital independe de quantas pessoas existem na economia. A variável mais importante é o tempo e como o utilizamos para tomada de decisões. Quanto mais poupadora for uma sociedade, maiores são as chances dela construir e desenvolver capital.

Conclusão
Agora que você está familiarizado com os temas centrais da obra de Böhm-Bawerk, sugiro que leia o livro para conclusões mais enriquecedoras. Você poderá encontrá-lo gratuitamente e em formato PDF em uma rápida pesquisa pela internet.

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