Preferência Intertemporal vs Mais-Valia

Por: Marcel Pereira Bernardo

O papel dos juros na economia Os juros representam um dos temas mais controversos da economia. Mas, afinal, o que são os juros e qual a sua natureza? Ao buscar respostas, os teóricos chegaram a conclusões diametralmente opostas. Para uns, os juros são uma sórdida forma de exploração; para outros, os juros são uma consequência natural das interações humanas, onde o tempo é fator determinante.

No âmago dessa controvérsia, nos deparamos com dois pensadores: Karl Marx, maior expoente intelectual do socialismo, e Böhm-Bawerk, um dos mais renomados economistas de todos os tempos. Embora o primeiro seja mais popular, o fato é que Böhm-Bawerk não só elucidou o fenômeno dos juros, como apresentou a mais fatal refutação à teoria marxista da mais-valia.

O que são os juros Os juros são a diferença valorativa entre bens presentes e bens futuros. Se eu peço emprestado 1000 dinheiros a você com a intenção de te devolver só daqui um ano, certamente o farei adicionando uma recompensa, digamos, de 10%. Então, no final desse período, te devolvo 1100 dinheiros. Se não houvesse essa recompensa, muito provavelmente você não teria razão para me emprestar nada.

Por que você abriria mão desses 1000 dinheiros no presente ( que você poderia usar como bem entendesse) para obter esses mesmos 1000 dinheiros de volta somente depois de 365 dias? Todos nós agimos no tempo e tentamos antecipar o máximo possível nossos ganhos, pois preferimos o presente, que é algo concreto, ao futuro, que é algo abstrato.

O fator tempo Pense comigo, se você pudesse realizar seus sonhos agora mesmo, como comprar um apartamento ou conquistar aquela promoção no trabalho, por quais razões você iria adiar suas conquistas, prolongando sua espera? Só o faria se estivesse visando uma recompensa ainda maior lá na frente, não é mesmo?

Portanto, o juro possui, em sua natureza, o fator tempo, e a influência dele sobre nós é aquilo que os economistas austríacos chamam de Preferência Temporal. Todo mundo possui preferência temporal ao tomar decisões, pois todo mundo é afetado pelo tempo uma vez que ele é finito. Só o fato de você decidir levantar da cama ou preferir tirar mais 10 minutos de sono já é uma escolha que envolve preferência temporal.

Decisões, sejam elas econômicas ou não, estão intimamente ligadas ao tempo. Negar a existência da Preferência Temporal requer negar o próprio tempo e sua influência sobre as pessoas. Gostaria de adicionar como é intrigante constatar como o fenômeno dos juros, no caso do empréstimo, já tem explicações consolidadas que não geram polêmica alguma. Mas, estranhamente, tudo parece se pulverizar quando aplicamos a lei dos juros no mercado de trabalho.

Capital e trabalho

Quando os juros são analisados sob a ótica do capital e sua relação com o trabalho, muitos economistas simplesmente abandonam a lógica dos juros como sendo o resultado da Preferência Temporal, deixando um vácuo inexplicável, gerando confusão e, desse modo, não estabelecendo uma linha coerente e raciocínio interligado.

Nesse momento, é preciso então definir de uma vez por todas: sob a ótica dos fatores de produção, os juros são a remuneração do capital. E como dito na seção anterior, portanto, os juros só existem por conta da Preferência Temporal. Lembre-se disso para não se perder no raciocínio.

Sendo os juros a remuneração do capital ou, em outras palavras, o meio pelo qual o capital se reproduz ao longo do tempo empregado para a conclusão de um processo produtivo, por que muitos insistem em falar em exploração?  Por conta da teoria marxista da mais-valia.

A mais-valia

A mais-valia é a conclusão óbvia de que o capital se reproduz. Marx demonstra tal reprodução no exemplo de circulação D-M-D´ (dinheiro-mercadoria-dinheiro acrescido). Essa reprodução do capital, na visão de Marx, acontece porque o trabalho alheio é explorado. Seria, portanto, o trabalho não pago pelo capitalista que embolsa, de maneira ilegítima, parte do fruto do esforço do trabalhador.

Ele chegou a essa conclusão pois teve como premissa o pensamento de que o trabalho socialmente necessário – e tão somente trabalho – é o componente que incorpora valor às mercadorias.

Voltando ao conceito de reprodução do capital, podemos perceber que aquilo que Böhm-Bawerk chamou de juros, Marx chamou de mais-valia. Ambos são a constatação de que o capital se reproduz. O pensador austríaco chega inclusive a elogiar o termo “mais-valia” empregado por Marx – veja bem, elogiou apenas o termo, não o conceito – pois, sim, o capital gera esse valor acrescido.

Entretanto, alguns marxistas, de forma rasteira, alegam que “nem mesmo Böhm-Bawerk ousou discordar da mais-valia de Marx”, mudando propositalmente o foco da discussão, tentando deixar o tema mais nebuloso do que de realmente é, distorcendo os fatos.

É preciso enfatizar que adotar a mais-valia, na concepção estritamente marxiana, obriga-nos a tomar como base a teoria da exploração, exploração essa que Böhm-Bawerk nega com veemência. Então só para esclarecer essa confusão: uma coisa é falar que haja acréscimo de capital, outra coisa totalmente diferente é investigar o porquê desse acréscimo existir.

Superando as dificuldades

Ora, é claro que o capital se reproduz. Caso contrário, não existiria economia. Todavia, esse nunca foi o ponto de discordância entre Böhm-Bawerk e Karl Marx. A polêmica está no motivo de sua reprodução. Superada a confusão, chegamos, finalmente, ao núcleo da divergência entre ambos: Seria a reprodução do capital fruto da exploração do trabalho ou fruto da preferência temporal?

De acordo com o pensador austríaco, o capital é a soma das diversas etapas indiretas do processo produtivo. Para a concretização desse processo, leva-se tempo e o capital só poderá ser remunerado quando finalmente atingir seu ponto de maturação. Mas antes da conclusão, o trabalho já foi remunerado no decorrer desse processo. Então, enquanto a importância destinada ao trabalho é paga ainda quando o processo produtivo está em andamento, a remuneração destinada ao capital só poderá ser atingida quando tal processo estiver totalmente executado.

Aproximando da linguagem marxiana, o trabalho é remunerado quando transforma dinheiro em mercadoria (D-M). Somente após essa etapa será possível transformar a mercadoria em dinheiro com algum ganho (M-D`). Isso significa dizer que o trabalho, em relação ao capital, tem remuneração adiantada e, por haver diferença no momento – ou etapa temporal – em que cada um será remunerado, seguindo a premissa de que bens presentes e bens futuros possuem valores distintos, haverá, logicamente, diferença também no valor destinado a cada um.

A teoria da exploração só estaria correta se a remuneração do trabalho e do capital ocorresse simultaneamente, isto é, na mesma etapa temporal. No entanto, não é isso que ocorre. Se um determinado capital, como um maquinário, for construído ao longo de um período de 10 meses, obviamente seu valor só será integral quando o maquinário estiver finalizado e pronto para uso. Mas os trabalhadores engajados na empreitada recebem a devida remuneração durante o processo de construção, Eles não precisam aguardar o estágio final. 

Mais-valia: um conceito equivocado

Imaginemos uma máquina que será construída ao longo de 5 meses, cujo valor projetado, em termos monetários, seja 1000 dinheiros. Ora, quando o capital ainda está em formação, seu valor é menor que 1000 dinheiros. Portanto, engana-se aquele que, de maneira negligente, conclui que devemos dividir 1000 unidades monetárias (valor do capital somente quando estiver pronto) por 5 meses (período necessário de tempo para sua produção) para sabermos qual o valor mensal deve ser destinado ao trabalhador.

As 1000 unidades monetárias correspondem ao valor sobre o capital existente, pronto para uso. O cálculo a ser feito, por conseguinte, deve considerar o valor futuro trazido a valor presente, o que significa dizer que esse valor será descontado. Podemos mensurar o nível do desconto pela taxa de juros exigida e esta, por sua vez, está intimamente vinculada ao custo de oportunidade dos agentes envolvidos.

Seria um enorme contrassenso exigir no presente o fruto dos bens que só existirão no futuro. A diferença valorativa entre o quanto o trabalhador produz e aquilo que recebe não é fruto da exploração por parte do detentor do capital, mas sim o resultado da aplicação lógica da preferência temporal dos agentes.

De modo simples e resumido: o capital só é remunerado ao término do processo produtivo, enquanto o trabalho é remunerado durante o processo. Vale ressaltar que os juros do capital continuariam existindo mesmo numa sociedade socialista, afinal, independente do modo de produção em vigência, o tempo e, portanto, a preferência temporal, continua existindo e nos afetando de diversas maneiras.

Conclusão Karl Marx já estava morto quando Böhm-Bawerk expôs sua objeção, mas os marxistas correram para respondê-lo. Quem chegou mais longe foi Hilferding, que disse, no final das contas, que Böhm-Bawerk estava apenas tentando justificar a economia burguesa. Se isso é um argumento válido ou não, cabe ao leitor decidir…

 

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